quarta-feira, 13 de outubro de 2010

SINDICÂNCIA INTERNA PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE

SINDICÂNCIA INTERNA PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE

Por Thiago Trindade Abreu da Silva Menegaldo - Advogado



Analisando a questão da justa causa quanto ao empregado estável, esta só poderá ocorrer se houver falta grave, prévia e regularmente apurada por ação específica denominada inquérito para apuração de falta grave.

Sergio Pinto Martins conceitua a justa causa como “forma de dispensa decorrente de ato grave praticado pelo empregado que implica a cessação do contrato de trabalho por motivo devidamente evidenciado, de acordo com as hipóteses previstas na lei”.

O mesmo autor dispõe que o art. 482 da CLT é taxativo, vejamos: “Não se trata, portanto, de norma meramente exemplificativa, pois há necessidade de ser descrito o tipo para o enquadramento da falta cometida pelo empregado” e justifica esta exegese na letra “b” do mesmo artigo (mau procedimento), que tem hipótese genérica que abarca demais casos na própria CLT e legislação esparsa.

Em sentido contrário os eminentes doutrinadores Francisco Jorge Ferreira Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante citam que “As hipóteses descritas no artigo 482, CLT, não são taxativas, mas exemplificativas, sendo admitidas outras hipóteses previstas em lei”.

Como se vê, é uma questão polêmica acerca do assunto, pois diante do poder diretivo do empregador do qual veremos adiante, temos que nos atentar a finalidade do poder disciplinar que este deve insurgir sobre seus empregados, de modo que haja proporcionalidade entre a falta cometida pelo empregado e a pena a ele aplicada.

Neste diapasão suscita os doutrinadores Francisco Jorge Ferreira Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante que “toda e qualquer medida disciplinar deve ser condizente com o bom senso, não podendo haver o extravasamento deste poder disciplinar. A medida punitiva há de ser coerente com atitude ou fato”.

A falta de proporcionalidade cometida pelos empregadores, sem que seja precedida de qualquer sindicância para apuração de falta grave, muitas vezes se finda na justa causa, sem que esta realmente seja necessária ou que seja abarcada pela lei ou pelo próprio Judiciário.

O procedimento do inquérito para apuração de falta grave está contido em nosso Diploma Consolidado nos arts. 853 a 855.

A ação é obrigatória para os seguintes empregados estáveis:

- Art. 543, § 3º, da CLT (dirigente ou empregado sindical);

- Art. 652-B, § 1º, da CLT (representantes dos empregados membros da CCP)

- Art. 55 da Lei 5.764/71 (empregados de empresas que sejam eleitos diretores de sociedades cooperativas por eles criadas).

- Art. 3º, § 9º, da Lei 8.036/90 (membros do Conselho Curador do FGTS representantes dos trabalhadores)

- Art. 3º, § 7º, da Lei 8.213/91 (membros do Conselho nacional de Previdência Social, representantes dos trabalhadores em atividades).

Não obstante a lei determine os casos em que a dispensa deverá ser precedida desta ação, o ato de demissão de um empregado por justa causa onde este não goza de nenhuma estabilidade gera uma demanda trabalhista muito grande na Justiça Especializada, pois muitas vezes há divergências entre a falta cometida pelo empregado e a pena aplicada pelo empregador, discutindo muitas vezes os aspectos de proporcionalidade, imediatidade, dupla punição entre outros.

A demissão por justa causa é a penalidade máxima que o empregador pode dar ao empregado e é por isso que deve ser muito bem instrumentalizada antes da sua efetivação.

Nesse aspecto, ainda que não haja previsão legal, tal ato se precedido de “sindicância interna para apuração de falta grave” dá solidez e torna mais transparente, se assim for, a concretização do rompimento do contrato de trabalho por justo motivo, dando inclusive ao empregado o amplo direito de defesa.

Importante nesta etapa que se defina o poder diretivo do empregador.

Para Amauri Mascaro do Nascimento , esse poder nada mais é que uma “faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”.

O mesmo autor explica que o poder do empregador divide-se em:

- Poder de organização – parte do princípio que ordenar é ato inerente do empregador;

- Poder de controle ou fiscalização – fiscalizar a execução das ordena conferidas ao empregado e;

- Poder Disciplinar – aplicar penalidade ao empregado que descumpra ordens gerais ou dirigidas especificamente a ele.

Pois bem, temos a veemência com o direito de defesa, reflexo dos princípios constitucionais esculpidos no art. 5.º, LV, da Carta Magna.

O empregado que comete falta grave, na prática, muitas vezes se socorre do judiciário para ter este princípio constitucional garantido, pois o empregador na maioria dos casos efetiva a dispensa por justo motivo, sem ao menos assegurar que o empregado possa “se defender” dos fatos ali imputados.

O princípio do contraditório, para Nelson Nery Júnior, apud CARVALHO : “além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do Estado de Direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório” — conforme Nelson Nery Jr., apud Carvalho.

Para Alexandre de Moraes “Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor”.

Analisando tais princípios, preceder a dispensa do empregado que comete falta grave que enseje a dispensa por justo motivo, propiciará ao obreiro o direito a ampla defesa, ou seja, o direito de se manifestar antes mesmo da própria rescisão contratual, podendo o empregador, ante o manifesto do empregado reconsiderar ou não justa causa propriamente dita.

Relevante este aspecto para o Direito do Trabalho como um todo, pois a falta grave pode ensejar a punição mais grave prevista dentro do ordenamento jurídico trabalhista.

Empregadoras com forte atuação em advocacia preventiva adotam tais práticas, para evitar maiores prejuízos e não correr o risco de ser condenada a reintegração do obreiro, nem ao pagamento do salário a que faria jus desde o ato da demissão até o momento da declaração judicial da ineficácia da justa causa.

E não é só isso: o objetivo maior é a apuração de eventuais faltas cometidas pelo empregado, de sorte que, não seja a ele imputada a penalidade máxima dentro do Direito Laboral, ou se assim for, que seja plenamente “justa” na hermenêutica da palavra, com o amplo direito de defesa constituído, ainda na esfera extrajudicial.

Em uma empresa multinacional instalada no ABC paulista, aplicou-se a sindicância interna para apuração de falta grave para que se efetivasse a rescisão contratual por justo motivo. (Anexo I)

Ainda que não se ajuste a idéia do empregador na aplicação da justa causa com os motivos declarados pelo empregado, a demanda torna-se muito mais clara e transparente quando vir a juízo.

Nosso Tribunal assim decidiu:

PROVA

Justa causa

Justa causa. Fatos. Apuração. Antes de despedir o empregado por justa causa, a empresa tem o dever de apurar os fatos e circunstâncias que envolvem a falta. Não se admite que escolha um empregado para "pagar" pelo erro, sem que tenha certeza de que ele foi o único responsável, especialmente quando se prova que nem sequer tinha competência para realizar o ato do qual é acusado. Recurso da ré que se nega provimento. (TRT/SP - 00160200706602004 - RO - Ac. 11ªT 20100136642 - Rel. EDUARDO DE AZEVEDO SILVA - DOE 10/03/2010)

É o exercício pleno do direito a ampla defesa e do contraditório a fim de reduzir injustiças e diminuir a carga processual do nosso judiciário.


ANEXO I

SINDICÂNCIA INTERNA PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE



Empresa: NOME DA EMPRESA., pessoa jurídica de direito privado, devidamente inscrita no CNPJ/MF sob n XX.XXX.XXXX/XXXX-X, com sede e foro na XXXXXX número XXXXX, Bairro XXXXX, na cidade de XXXXXXXXXXXXX - estado, doravante denominada de EMPREGADORA.

Empregado: XXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, operador, portador da cédula de identidade civil RG n. XXXXXXXXX, devidamente inscrito no CPF/MF sob n. XXXXXXXXX, portador da CTPS n. XXXX Série XXX, doravante denominado EMPREGADO.


1.) Descrição dos Fatos:


1. Na data de XX de novembro de 20XX, a Analista de Recursos Humanos da EMPREGADORA Sra. XXXXXXXXX, ao apreciar o teor do documento Atestado Médico datado de 03 de novembro de 2008, de lavra do Médico Dr. XXXXXXXXX - CRM XXXXXXX, denotou rasuras e inserções estranhas no bojo do aludido documento, ensejando imediata apuração da veracidade dos termos do atestado junto à equipe médica do Hospital XXXXXXXXXX, de onde supostamente havia sido emitido.

2. Em XX de novembro de 20XX, foi a EMPREGADORA informada pela entidade hospitalar que, conforme suspeita, o documento médico havia sido adulterado no intuito de provocar afastamento do trabalho indevido e sem causa, pois consta no prontuário, segundo informações dadas pelo hospital, que o repouso atestado pelo médico era apenas do dia XX de novembro de20XX.

3. Segue, em anexo, o Atestado Médico citado, adulterado, e a Declaração do XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, documentos que servirão para a devida instrução da presente Sindicância de Apuração de Falta Grave.


2. Depoimento pessoal do EMPREGADO investigado:


Lido o relato fático acima exposto, e indagado acerca do ocorrido passou a responder:

Este atestado foi um dos que o médco não quis me afastar e eu realmente alterei.

___________________

Empregado


3. Depoimentos testemunhais:

1a. Testemunha: XXXXXXXXX , brasileira, solteira, Analista de Recursos Humanos, portadora da cédula de identidade civil RG n. XXXXXXXXXX devidamente inscrito no CPF/MF sob n. XXXXXXXXXX, portador da CTPS n. XXXXXX Série XXX/SP, passou a dizer acerca dos fatos objeto da presente apuração:

“No dia dd/mm/aaaa recebi um envelope lacrado deixado pelo supervisor de produção Sr. XXXXXXXXXXXXX (supervisor do turno da noite) com vários atestados.

Verifiquei todos os atestados e os coloquei em ordem alfabética para eu arquivá-los posteriormente.

Ao analisar o atestado do Sr. XXXXXX, notei que havia anotações com caneta esferográfica azul, porém com outra tonalidade de cor e havia também dois campos marcados com um “x” sendo um deles informando que o respectivo funcionário deveria permanecer em repouso no dia da emissão do atestado, e logo abaixo outra marcação com a outra tonalidade de cor com marcação no campo que diz que o funcionário deve permanecer em repouso de dd/m/aaaa a dd/mm/aaaa, sendo esta última data colocada de forma manuscrita.

Suspeitei que houvesse indícios de alteração no documento e informei imediatamente o meu colega de trabalho o XXXXXX que também confirmou minha suspeita, tomando a partir daí as providências necessárias para verificação das informações contidas no atestado médico.

Mostrado o documento “ATESTADO MÉDICO” que instrui a presente sindicância, a testemunha confirmou tratar-se do mesmo documento que ensejou a suspeita como por ela narrada acima.

Por ser a mais pura expressão da verdade, firma a presente:

_________________________

XXXXXXXXXXXXXXX


2ª Testemunha: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, brasileiro, solteiro, Analista e Recursos Humanos, portador da cédula de identidade civil RG n. XXXXXXXXX, devidamente inscrito no CPF/MF sob n. XXXXXXXXXXXX, portador da CTPS n. XXXXXX Série XXX/SP, passou a dizer acerca dos fatos objeto da presente apuração:

“No dia dd/mm/aaaa a XXXXX me mostrou um atestado médico do Hospital XXXXXXXXXXXXXXXX que aparentemente havia sido adulterado.

O médico que lavrou o atestado concedeu ao EMPREGADO apenas o repouso no dia dd/mm/aaaa, porém, além da marcação no campo específico, havia outra marcação escrita com caneta esferográfica azul, com tonalidade diferente da assinatura do médico e dos demais campos do atestado.

Como de praxe, nesses casos entramos em contato com o Hospital a fim de obter informações sobre o respectivo documento.

Fui atendido pelo departamento de atendimento ao cliente do Hospital XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX na pessoa do Sr. XXXXXXXX, que me orientou a enviar um fac-símile do documento para levantamento do prontuário médico e verificação da autenticidade das informações contidas no atestado.

No dia dd/mm/aaaa liguei para o Hospital a fim de saber se o levantamento sobre a veracidade das informações contidas no atestado havia sido realizado.

O próprio Sr. XXXXXXX me informou que o processo de verificação ainda não havia sido concluído e que em breve faria contato comigo.

Em dd/mm/aaaa, como eu não havia ainda sido contactado pelo Hospital, liguei novamente para o setor de atendimento ao cliente e fui informado que realmente trata-se de um atestado adulterado, pois pelo que constava no prontuário, o médico que emitiu o atestado havia concedido apenas o dia da consulta para repouso.

Diante da alegação do Hospital, solicitei que nos formalizasse esta resposta para dar seguimento aos trâmites adotados por esta empresa quando da ocorrência de fatos como esses.”

Por ser a mais pura expressão da verdade, firma a presente:

Mostrado o documento “ATESTADO MÉDICO” que instrui a presente sindicância, a testemunha confirmou tratar-se do mesmo documento que ensejou a suspeita como por ele narrada acima.

__________________________________

XXXXXXXXXXXXXXXXXXX



4. Conclusão:

Da análise da materialidade que se extrai da presente Sindicância de Apuração de Falta Grave, pela cuidadosa análise dos documentos que instruem o ato, pelos depoimentos testemunhais, resta indene de qualquer dúvida que o EMPREGADO investigado agiu de forma dolosa ao fraudar, mediante adulteração, documento médico, para ardilosamente tentar abono de faltas.

5. Disposições Finais:

Diante do todo exposto acima, resta caracterizado que agiu o EMPREGADO investigado de forma ímproba (alínea “a” do artigo 482 da CLT), livre e conscientemente, bem como em mau procedimento (alínea “b” do artigo 482 da CLT).

Por tais circunstâncias, ante a gravidade do Ato praticado, resta impossível a manutenção do contrato de trabalho, ante a ruptura da fidúcia necessária, preceito máximo e inerente entre as partes na execução do pacto laboral.

Os atos praticados pelo EMPREGADO investigado constituem-se, sem sombra de dúvidas, ato ilícito, por violação de obrigação legal e contratual explícita, passível, pois, de rescisão do contrato de trabalho por JUSTA CAUSA decorrente da FALTA GRAVE por ele praticada, sujeita às disposições insertas no artigo 482 da CLT, que permite à EMPREGADORA a resilição motivada do contrato de trabalho.

XXXXXXXXXXX, XX de novembro de 20XX.

________________________________

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Empregadora

________________________________

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX

Empregado



BIBLIOGRAFIA


CARVALHO, Kildare Gonçalves. DIREITO CONSTITUCIONAL: TEORIA DO ESTADO E DA CONSTITUIÇÃO; DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO. 12. ed., rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 2ª ed. São Paulo: Método, 2008.

MORAES, Alexandre de. DIREITO CONSTITUCIONAL. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

MARTINS, Sérgio Pinto – MANUAL DA JUSTA CAUSA – 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

NETO FERREIRA, Francisco Jorge, CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa – DIREITO DO TRABALHO – 4ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.

Site:
http://www.conjur.com.br/2009-mar-19/presuncao-conhecimento-causa-nao-afronta-devido-processo-legal?pagina=4 – acesso em 01/10/2009.

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