Por Thiago Trindade Abreu da Silva Menegaldo
A litigância de má-fé é algo que deve ser repudiado pelos operadores do direito, pois se tenta de forma ardilosa provocar incidentes processuais ou mesmo obter vantagens, mudando a verdade dos fatos.
Renato Saraiva neste raciocínio aduz que “o comportamento desleal revestido de má-fé e malícia pode acarretar prejuízo à parte contrária e à administração da Justiça, ensejando um retardamento na prestação da tutela jurisdicional pelo Estado, respondendo a parte desleal pelo dano processual causado.”
Reputa-se em litigância de má-fé o descrito nos incisos do art. 17 do CPC:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.”
Nelson Nery define litigância de má-fé como “a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, como dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator, que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo procrastinando o feito. As condutas aqui previstas, definidas positivamente, são exemplos do descumprimento do dever de probidade estampado no art. 14 do CPC"
As partes em um processo devem sempre agir com lealdade e boa-fé e deve responder por danos aquele que pleitear de má-fé, como autor, réu ou interveniente.
O juiz Gustavo Carvalho Chehab recentemente prolatou sentença acerca de assédio processual, onde se verifica a semelhança com a litigância de má-fé, citou que “é o conjunto de atos processuais temerários, infundados ou despropositados com o intuito de retardar ou procrastinar o andamento do feito, evitar o pronunciamento judicial, enganar o Juízo ou impedir o cumprimento ou a satisfação do direito reconhecido judicialmente. A prática viola os direitos fundamentais da Constituição Federal (artigo 5º, XXXV, LIV e LXXVIII) – Processo Processo 0173-2009-462-05-00-6 RT.
Quem narra os fatos de maneira lacunosa ou omite intencionalmente fatos essenciais ao julgamento do feito. No entendimento de Sérgio Pinto Martins, o inciso II do art. 17 do CPC não faz mais menção a esta hipótese, pois se foi proposital, haverá prejuízo a própria parte, que terá o ônus processual de provar suas alegações.
O fato das alegações não serem provadas não constitui a má-fé, pois não pretendeu o autor senão pleitear seu direito, apenas não logrou êxito em provar o que se pediu, quando este tinha o ônus probatório.
Uma sentença muito polêmica proferida por um juiz de Goiânia acerca do assunto, que foi inclusive noticiada pelo site da UOL . Trata-se de um trabalhador que alegou que a fimose de qual foi acometido, foi agravada pelo trabalho que ele exercia.
Quanto a litigância de má-fé assim noticiou a reportagem:
“O magistrado, no entanto, deu um voto de confiança para o trabalhador. Azevedo Neto disse que uma coisa devia ser reconhecida: “é preciso muita coragem para ajuizar uma ação desse tipo”.
Mas o juiz considerou que, embora houvesse fundamentos para tanto, condenar o trabalhador por litigância de má-fé somente aumentaria seu desespero. “Apenas uma pessoa com muita necessidade poderia recorrer à Justiça alegando que a fimose foi agravada no trabalho”.
A má distribuição de renda e a desinformação, de acordo com o juiz, levam, muitas vezes, o trabalhador a se socorrer do Judiciário apenas “para ter uma resposta, qualquer que seja, às suas agruras”.”
O art. 18 do CPC dispõe que “o juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a 1% sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou”.
Nesta discussão, as determinações do art. 18 do CPC, são cumulativas, pois a condenação não estará adstrita apenas a 1% sobre o valor da causa, mas à aplicação das demais penalidades, pois a multa tem natureza de sanção processual e a indenização corresponde ao pagamento para reparar o prejuízo causado.
Neste sentido Renato Saraiva , apud Misael Montenegro Filho, cita:
Muito embora tenha o legislador sido energético no campo da tipificação das condutas, entendemos que idêntica postura não foi repetida no que se refere à conseqüência da litigância de má-fé, em vista da simbólica penalidade estatuída na Lei de Ritos, representando quantia pecuniária igual ou inferior a 1% sobre o valor da causa, o que patenteia quase um estímulo para a prática de atos desqualificados, sabido que a correspondente punição não surte efeitos terapêuticos desejados.
De qualquer sorte, devemos também anotar que a multa em referência pode vir acompanhada de imposição de indenização pelos danos suportados pela parte prejudicada, representando valor pecuniário não superior a 20% do valor da causa, com imposição imediata ou deslocada para a liquidação por arbitramento”.
A jurisprudência dominante do egrégio Superior Tribunal de Justiça se inclina no sentido de que a sanção em razão da responsabilização pela litigância de má-fé não é multa. CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, por sua vez, entende que a natureza jurídica da sanção é de multa.
O certo porém, como adverte CARREIRA ALVIM, é que por prejuízos indenizáveis com a sanção da litigância de má-fé não se deve entender como tudo aquilo que a parte perdeu ou deixou de ganhar. O alcance da sanção se restringe ao fato do processo, pelo que ficam excluídos os prejuízos indiretos, que deverão ser objeto de ação própria.
De acordo com o art. 31 do CPC, todas as despesas que a parte incorreu em função da litigância de má-fé deverão ser reembolsadas pelo ex adverso, quando impugnadas pela primeira.
O TST já decidiu que “as partes devem proceder com lealdade e boa-fé, sob pena de, causando dano a outra a parte, aquela que for responsável pela má-fé, responder por perdas e danos. Recurso Ordinário a que se nega provimento” (Ac. Da SDI do TST, RO MS 81287, Rel. Min. Barata Silva, DJU, 27/04/90, P. 3.463).
A pena de litigância de má-fé pode ser aplicada de ofício pelo juiz ou tribunal, sem qualquer requerimento da parte prejudicada.
No tocante a condenação do advogado, o parágrafo único do art. 32 da Lei nº. 8.906/94 reza que “em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com o seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria”, sendo que a competência dessa ação é da Justiça Comum.
Para Sérgio Pinto Martins, “deve haver haver intenção de o advogado praticar tal ato para aplicar a litigância de má-fé com base no citado dispositivo, pois o CPC reza que litigante de má-fé é a parte e não seu procurador”.
Esclarece ainda que “se o juiz verificar a litigância de má-fé com base no processo, poderá aplicar a penalidade no próprio processo do trabalho de maneira incidente, desde que caracterizado o intuito de lesar a parte contrária”.
Rui Stoco esclarece que:
"O procurador das partes em juízo (defensor ou advogado) não responde pessoalmente por má-fé processual.
Portanto, nem o juiz nem o advogado podem ser sancionados pela norma que coíbe a litigância de má-fé, pois esta dirige-se à parte, de modo que, em última análise, esta parte responderá pelos atos de improbidade de seu representante judicial.
O advogado sofrerá as sanções de caráter disciplinar, estabelecidas no Código de Ética, podendo sofrer as sanções previstas no Estatuto da Advocacia, que disciplina o seu exercício (Lei 8.906, de 04.07.1994), embora a parte que for sancionada possa exercer, posteriormente, o direito de regresso em face do seu representante legal [05].
Nesse sentido, aliás, invoca-se a doutrina mais expressiva, colhida em juristas pátrios de nomeada (BAPTISTA DA SILVA, 2000, P. 109, E ARRUDA ALVIM, 1975, P. 151)".
Nesta mesma linha de raciocínio temos o seguinte julgado:
EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. OAB E MPF. A expedição de ofícios a OAB e MPF, determinada no decisium, somente deve ocorrer após o trânsito em julgado da presente decisão. Recurso Ordinário da reclamada parcialmente provido. Condenação solidária. Indenização por litigância de má-fé. Comprovada, consoante perícia técnica, a falsidade dos documentos alegados pela empresa reclamada, que negam a autoria das assinaturas ali existentes pelo obreiro, mantém-se a decisão quanto a indenização por litigância de má-fé da empresa ré. No tocante à atribuição da conduta de má-fé ao advogado da parte, a sanção por litigância de má-fé não pode ser aplicada por esta Justiça Especializada ao advogado que assistiu à parte, a menos que o mesmo estivesse agindo em causa própria, o que não é a hipótese dos autos. Recurso Ordinário do patrono da reclamada parcialmente provido (TRT 06ª Região, 03ª Turma, decisão unânime, Processo nº TRT - 1251-2003-007-06-00-4, Rel. Juiz Gilvan de Sá Barreto, julgado em 15 de julho de 2005, publicado no D.O.E, de 03 de setembro de 2005).
Sérgio Pinto Martins suscita ainda o artigo 940 do Código Civil por força do parágrafo único do art. 8º da CLT.
O referido artigo reza que:
“aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a para ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição”.
Claro que nada obsta o obreiro de receber verbas rescisórias das quais já tenha recebido, limitando os valores que já auferiu.
Cumpre ressaltar que a determinação do art. 940 do NCC é posterior à redação dos arts. 14 e 18 do CPC e, portanto, não foi revogada. Eles não se excluem, mas se complementam.
Conclui-se de todo o exposto que as partes devem sempre agir com lealdade, principalmente respeitando o princípio da boa-fé.
O fato do princípio protetivo do trabalhador lhe assegurar algumas “vantagens” faz com que estes venham litigar em juízo com o fito de faturar uma “grana fácil”.
As imposições dos magistrados em litigância de má-fé só fazem coibir essas práticas e deve cada vez mais ser aplicadas e divulgadas.
É claro que neste diapasão cabem muitas discussões, pois nem sempre é o empregado que dá causa a má-fé. Alguns causídicos, instigam o litígio tornando-se verdadeiros aventureiros processuais, que acabam por atrapalhar a resolução das lides onde realmente se discute direitos com seriedade, verdade e respeito.
Não obstante na Justiça do Trabalho haja o “jus postulandi”, há de se ressaltar que questões complexas são diariamente discutidas. Conhecer o direito, seja ele processual ou material, é indispensável para que se tenha um bom processo.
Deve o advogado se aperfeiçoar, estudar e buscar entender o que se pleteia a favor de seu cliente. A falta de conhecimento pode ensejar a litigância de má-fé. E como explicar isso para seu cliente após a condenação?
BIBLIOGRAFIA
MARTINS, Sérgio Pinto.Direito Processual do Trabalho 23 ed., São Paulo, editora Atlas, 2005.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho, 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado: e legislação extravagante. 7ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2003;
SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed., São Paulo, Editora Método, 2008.)
Sites:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12698
http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/56365.shtml
http://www.angelfire.com/ut/jurisnet/art12.html
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